Risco aumentado não parece muito grande, mas ainda assim preocupa.
Nos últimos 30 anos, a fertilização in vitro tem sido garantia de segurança. Milhões de crianças saudáveis nasceram e se desenvolveram normalmente. O primeiro bebê nascido pela fertilização in vitro, Louise Brown, em julho de 1978, agora tem sua própria filha, Cameron, de dois anos de idade, concebida sem essa técnica. No entanto, pesquisadores sempre se perguntavam se existiriam mudanças sutis num embrião desenvolvido, durante vários dias, numa placa de Petri, como acontece com os criados in vitro – e, caso existam, se essas mudanças teriam quaisquer consequências.
Agora, com novos estudos epidemiológicos e novas técnicas que permitem aos cientistas sondar os genes das células embrionárias, algumas respostas experimentais começam a surgir. O assunto não tem nenhuma relação com a possibilidade de uma mulher gerar gêmeos, triplos ou até óctuplos, como aconteceu na Califórnia. Em vez disso, ele envolve questionamentos sobre mudanças na expressão dos genes ou nos padrões de desenvolvimento, que podem, ou não, ficar óbvios no nascimento.
Por exemplo, alguns estudos indicam que é possível haver alguns padrões anormais de expressão genética associados à fertilização in vitro. Também é possível um aumento em distúrbios genéticos raros, porém devastadores, que parecem estar diretamente relacionados a esses padrões incomuns de expressão genética. Também parece haver um aumento do risco de parto prematuro e do nascimento de bebês de baixo peso para sua idade gestacional.
Em novembro, o Centro para o Controle e Prevenção de Doenças publicou um artigo relatando que bebês concebidos através da FIV (fertilização in vitro), ou com uma técnica na qual os espermatozóides são injetados diretamente nos óvulos, têm um leve aumento no risco de vários defeitos congênitos, incluindo um buraco entre as duas câmeras cardíacas, lábios ou palatos fissurados, um esôfago desenvolvido de forma inadequada e má-formação retal. O estudo envolveu 9.584 bebês com defeitos de nascença e 4.792 sem tais distorções. Entre as mães dos bebês sem defeitos, 1,1% havia usado FIV ou métodos relacionados, em comparação a 2,4% das mães de bebês com deformidades congênitas. As descobertas são consideradas preliminares, e pesquisadores acreditam que a FIV não envolve riscos excessivos. Existe 3% de chance de qualquer bebê ter um defeito de nascença.
Questão real
No entanto, a questão real – quais são as chances de um bebê gerado por FIV ter um defeito congênito – não foi respondida de forma definitiva. Isso exigiria um estudo amplo e rigoroso, que acompanhasse esses bebês. O estudo do Centro oferece riscos comparativos, mas não absolutos.
Ainda assim, mesmo que os riscos aparentem ser pequenos, estudiosos da biologia molecular de embriões que se desenvolvem em placas de Petri afirmam desejar uma maior compreensão sobre o processo desenvolvido ali. Assim, poderiam melhorar o procedimento e permitir aos casais tomarem decisões mais bem-informadas. "Existe um consenso crescente na comunidade clínica sobre a existência de riscos", disse Richard M. Schultz, da Universidade da Pensilvânia. "Agora, cabe a nós descobrir quais são os riscos e se podemos fazer algo para minimizá-los."
Apesar das questões serem bem conhecidas, a discussão tem sido limitada a cientistas, disse Elizabeth Ginsburg, presidente da Sociedade para a Tecnologia da Reprodução Assistida. Ginsburg, diretora médica de fertilização in vitro do Hospital da Mulher e do Hospital Brigham, em Boston, afirma que os formulários de consentimento desses centros mencionam um possível aumento de risco envolvendo certos distúrbios genéticos raros. Porém, disse ela, nenhum dos pacientes foi dissuadido.
Richard G. Rawlins, diretor do laboratório de FIV e de reprodução assistida do Rush Centers for Advanced Reproductive Care, em Chicago, contou que, quando fala com pacientes, nunca ouve perguntas sobre o crescimento dos embriões no laboratório e as possíveis consequências. "Nenhum paciente jamais me perguntou algo" sobre isso, disse. Ele acrescentou: "Por isso, muitos médicos também não se perguntaram".
Dr. Andrew Feinberg, professor de medicina e genética da Universidade Johns Hopkins, ficou preocupado com a falta de informação sobre a FIV há oito anos, quando ele e um colega, Dr. Michael R. DeBaun, estudavam mudanças na expressão genética capazes de levar ao câncer.
O foco deles era em crianças com a síndrome Beckwith-Wiedemann, caracterizada por um risco de 15% de câncer de rim, fígado ou músculo, na infância; e um crescimento exagerado de células do rim e outros tecidos; além de outras anomalias, entre as quais se encontram: língua grande, defeitos na parede abdominal e baixos níveis de açúcar no sangue durante a infância.
Essa síndrome, segundo descobriram Feinberg e DeBaun, geralmente era causada por mudanças na expressão de um grupo de genes, e essas modificações também foram encontradas no câncer de cólon e de pulmão. Crianças com tais alterações genéticas tinham um risco de 50% de desenvolver câncer na infância. O risco normal é de menos de um em cada 10 mil crianças.
Os dois pesquisadores recrutaram crianças com o distúrbio, acompanhando-as em sua clínica. Então, várias mães envolvidas no estudo, que haviam realizado FIV, perguntaram aos pesquisadores: seria possível que os tratamentos de fertilidade tenham causado a síndrome Beckwith-Wiedemann?
Isso levou Feinberg e DeBaun a investigarem a prevalência da FIV e métodos relacionados nas gravidezes que resultaram em crianças com a síndrome Beckwith-Wiedemann. As conclusões deles, e a conclusão de pelo menos meia dúzia de outros grandes estudos, é que existiam cerca de dez vezes mais pais que haviam recorrido à FIV e outros métodos em relação ao esperado.
Retardo mental
Outro distúrbio causado pela expressão genética anormal, a síndrome de Angelman, também é suspeita de estar relacionada à FIV. Ela envolve retardos mentais graves, defeitos motores, incapacidade de falar e um comportamento sempre alegre. Esses distúrbios são raros. A Beckwith-Wiedemann ocorre somente uma vez a cada 13 mil nascimentos, e a Angelman ocorre uma vez a cada 10 mil nascimentos. Por que, perguntam os pesquisadores, embriões que crescem em laboratório dão margem a mudanças na expressão genética? Se essas mudanças existem, é possível alterar as condições laboratoriais para que elas não ocorram mais?
Um lugar para observar pode ser o caldo, conhecido como meio de cultura, no qual os embriões crescem. Desde o começo da FIV, os cientistas sabiam que a composição do caldo afetava a velocidade de crescimento do embrião, disse Rawlins. Eles sabiam que os embriões, tanto animais quanto humanos, cresciam de forma muito mais lenta no laboratório do que no corpo. Um aspecto oferecido pelo meio de cultura são substâncias químicas capazes de serem usadas com o objetivo de adicionar grupos químicos metil aos genes. A presença, ou ausência, de grupos metil podem controlar se os genes são ativos ou não, um processo conhecido como epigenética. Mudanças epigenéticas não somente causam distúrbios raros, como a síndrome Beckwith-Wiedemann, como também estão associadas a bebês de baixo peso e um aumento no risco de uma série de cânceres. Isso não significa que os embriões desenvolvidos em laboratório sofrerão esses efeitos, mas isso realmente levanta questionamentos sobre o que se conhece sobre esse procedimento.
Dr. George Daley, pesquisador da Faculdade de Medicina de Harvard e estudioso de células-tronco embrionárias, afirmou que as questões também se estendem a essas células, retiradas de embriões humanos e desenvolvidas em laboratório. Ele verificou mudanças epigenéticas em células-tronco, mas não tem certeza sobre o que elas significam. "Minha maior preocupação é que não temos informação suficiente, ou as ferramentas para medir a estabilidade epigenética", disse ele. "Pode ou não ser relevante para a segurança das células, mas eu suspeito que sim." Porém, descobrir o que, no meio de cultura, é capaz de afetar, de forma adversa, o crescimento e o desenvolvimento do embrião, pode não ser fácil, comentou Feinberg.
Ginsburg salientou que a Sociedade para a Tecnologia de Reprodução Assistida discutiu sobre a solicitação a centros de FIV para que informem quais meios estão sendo usados para desenvolver seus embriões. No entanto, disse ela, "os programas usam vários meios, e é muito comum que eles troquem de um para outro". Se embriões de ratos estão mais próximos de refletir o que ocorre com humanos, então não existe dúvida de que a expressão genética pode ser alterada pelo desenvolvimento de embriões em laboratórios, disse Schultz.
Roedores estranhos
Em outro teste, para medir a resposta ao medo quando os ratos estão livres, os roedores de FIV tinham menos cautela e medo normais do que os ratos nascidos sem FIV. "Trata-se de mudanças", disse Schultz em relação ao resultado dos testes. "A única diferença é que eles foram culturados", significando que os ratos começaram como embriões em laboratório. Junto com mudanças comportamentais, havia mudanças na metilação dos genes – mudanças epigenéticas, como informou Schultz. "Suspeito que a manipulação e a cultura de embriões seja um fator contribuidor", acrescentou.
No entanto, acompanhar bebês depois da FIV ou da injeção intractoplásmica de espermatozóide não é fácil. Se qualquer problema surgir a partir de mudanças epigenéticas, eles podem não estar aparentes até a fase adulta, a meia-idade ou a velhice. "Quando você envia questionários, a tendência é que o casal que tenha tido um problema, ou que acredite ter um problema, respondam", disse Zev Rosenwaks, diretor do Centro de Medicina Reprodutiva e Infertilidade do New York Weill Cornell Center. Aqueles que não respondem tendem a ser os pais cujas crianças parecem estar bem, desviando os dados.
O grupo Rosenwaks pagou boa parte do estudo por conta própria. Eles concluem que "mesmo se existe um leve aumento nas anomalias, o índice não é muito alto em relação à população em geral". Outros, como Dr. Alistair Sutcliffe, da University College London, afirmam que o campo precisa urgentemente de informações sobres esses riscos. "Eu falo sobre esse assunto no mundo todo", ele disse. "Minhas conversas são baseadas na literatura conhecida. Tenho me tornado um pouco menos otimista em relação ao que sabemos sobre a saúde das crianças" nascidas após a FIV e procedimentos relacionados. "Obviamente, é necessário mais conhecimento", disse Sutcliffe. "O estudo perfeito ainda não foi realizado".
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